terça-feira, 1 de junho de 2010

ETAPA 8 - ROMANTISMO BRASILEIRO

Brasil – As três gerações poéticas.

PASSOS

Passo 1 - Gonçalves Dias (1823-1864) enquadra-se na primeira geração do nosso romantismo. Sua obra, de fato, opera ainda hoje como espécie de estrela guia no céu da poesia brasileira, sobretudo quando esta procura suas origens nacionalistas tanto nos temas quanto na língua literária. O poema abaixo, no entanto, mostra o poeta manejando elementos típicos de mais de uma geração. Em sua opinião quais seriam eles?

SE SE MORRE DE AMOR!
Se se morre de amor! — Não, não se morre,
Quando é fascinação que nos surpreende
De ruidoso sarau entre os festejos;
Quando luzes, calor, orquestra e flores
Assomos de prazer nos raiam n'alma,
Que embelezada e solta em tal ambiente
No que ouve, e no que vê prazer alcança!
Simpáticas feições, cintura breve,
Graciosa postura, porte airoso,
Uma fita, uma flor entre os cabelos,
Um quê mal definido, acaso podem
Num engano d'amor arrebatar-nos.
Mas isso amor não é; isso é delírio,
Devaneio, ilusão, que se esvaece
Ao som final da orquestra, ao derradeiro
Clarão, que as luzes no morrer despedem:
Se outro nome lhe dão, se amor o chamam,
D'amor igual ninguém sucumbe à perda.
Amor é vida; é ter constantemente
Alma, sentidos, coração — abertos
Ao grande, ao belo; é ser capaz d'extremos,
D'altas virtudes, té capaz de crimes!
Compr'ender o infinito, a imensidade,
E a natureza e Deus; gostar dos campos,
D'aves, flores, murmúrios solitários;
Buscar tristeza, a soledade, o ermo,
E ter o coração em riso e festa;
E à branda festa, ao riso da nossa alma
Fontes de pranto intercalar sem custo;
Conhecer o prazer e a desventura
No mesmo tempo, e ser no mesmo ponto
O ditoso, o misérrimo dos entes;
Isso é amor, e desse amor se morre!
Amar, e não saber, não ter coragem
Para dizer que amor que em nós sentimos;
Temer qu'olhos profanos nos devassem
O templo, onde a melhor porção da vida
Se concentra; onde avaros recatamos
Essa fonte de amor, esses tesouros
Inesgotáveis, d'ilusões floridas;
Sentir, sem que se veja, a quem se adora,
Compr'ender, sem lhe ouvir, seus pensamentos,
Segui-la, sem poder fitar seus olhos,
Amá-la, sem ousar dizer que amamos,
E, temendo roçar os seus vestidos,
Arder por afogá-la em mil abraços:
Isso é amor, e desse amor se morre!
Se tal paixão porém enfim transborda,
Se tem na terra o galardão devido
Em recíproco afeto; e unidas, uma,
Dois seres, duas vidas se procuram,
Entendem-se, confundem-se e penetram
Juntas — em puro céu d'êxtases puros:
Se logo a mão do fado as torna estranhas,
Se os duplica e separa, quando unidos
A mesma vida circulava em ambos;
Que será do que fica, e do que longe
Serve às borrascas de ludíbrio e escárnio?
Pode o raio num píncaro caindo,
Torná-lo dois, e o mar correr entre ambos;
Pode rachar o tronco levantado
E dois cimos depois verem-se erguidos,
Sinais mostrando da aliança antiga;
Dois corações porém, que juntos batem,
Que juntos vivem, — se os separam, morrem;
Ou se entre o próprio estrago inda vegetam,
Se aparência de vida, em mal, conservam,
Ânsias cruas resumem do proscrito,
Que busca achar no berço a sepultura!
Esse, que sobrevive à própria ruína,
Ao seu viver do coração, — às gratas
Ilusões, quando em leito solitário,
Entre as sombras da noite, em larga insônia,
Devaneando, a futurar venturas,
Mostra-se e brinca a apetecida imagem;
Esse, que à dor tamanha não sucumbe,
Inveja a quem na sepultura encontra
Dos males seus o desejado termo!

São elementos típicos da 2.ª geração adotadas pelo autor, em estilo byroniano, o lírico-amoroso ressalta o medievalismo cavalheiresco, caracterizado pelo domínio do sentimento amor-melancolia.
Esse sentimento é confundido por suas experiências infelizes e traduzido em seu conceito de amor: o amador submisso e servil à dama pretendida.

Passo 2 - Considerando o que foi solicitado como tarefa para o passo 3 da etapa n º 14, realize a mesma análise comparativa, mas, agora, sobre a relação amorosa estabelecida entre as personagens Iracema e Martin Soares Moreno, do romance Iracema (1865), de José de Alencar (1829-1877). Para tanto, você deve necessariamente levar em consideração a tendência nacionalista inaugurada pelo romantismo brasileiro, notando, assim, o quanto nossos escritores traduzem localmente muitos dos temas vindos a partir de Portugal.

IRACEMA - O romance é considerado um "poema em prosa" e é também a história de guerras entre as tribos inimigas, Tabajaras e Pitiguaras. Iracema se apaixona por Martim e lhe oferece o vinho de Tupã; enquanto esse imagina estar sonhando, Iracema torna-se sua esposa. Martim recebeu o nome indígena de Coatiabo, e o filho de ambos se chamou Moacir (nascido do meu sofrimento). Consumida pela saudade do marido que partira para batalhas, Iracema veio a falecer sendo enterrada ao pé de um coqueiro que recebeu o nome de Ceará. Moacir foi viver em Portugal com o pai, sendo o primeiro cearense a emigrar. Iracema é um anagrama da palavra América. “Iracema” se enquadra dentro de uma corrente luso-brasileira cujo início data das cantigas medievais.
Iracema: objeto proibido do desejo: posse do objeto = transgressão.
Há a proibição de se tocar o corpo de Iracema. O gesto transgressor seria punido com a morte. Martim só procura Iracema sobre os efeitos da droga. Martim não tem o corpo de Iracema em seus braços, tem apenas a sua imagem. A virgindade de Iracema é justificada pela sua situação dentro da taba, onde ocupa o lugar de sacerdotisa de Tupã. Qualquer atitude dela para unir-se a Martim transgride os valores tabajaras. Mas o amor se revela mais forte e a postura de Iracema é, desde o início, de desobediência.
O licor de Jurema é a droga que servirá como intermediário, isto é, que servirá para derrubar as barreiras entre os dois, remetendo a relação para o nível do inconsciente.
Elementos épicos: Presença do "maravilhoso" nas epopéias e em Iracema.
O texto é épico por ser narrativo. José de Alencar narra os feitos heróicos dos portugueses na figura de Martim. Iracema, também, é transformada em heroína. Além disso, temos, também, a presença dos deuses indígenas representando as forças da natureza.
Elementos líricos: O amor de Iracema por Martim.
Iracema é a heroína típica do romantismo, que padece de saudades do amante que partiu, e da pátria que deixou. Toda a força poética do livro advém dessa relação amorosa. A ação é reduzidíssima, o que dá ao livro o notável espaço lírico de que se valeu Alencar para escrever sua obra mais poética: a desorientação inicial de Martim, jovem fidalgo português, que se perdera nas matas... O surpreendente encontro com a jovem índia... A hospitalidade do selvagem brasileiro... O ciúme do guerreiro... O amor entre os representantes das duas raças: lracema e Martim... A morada dos dois, afastados da tribo e da civilização... A nostalgia de Martim por sua terra natal, suas viagens e a tristeza de Iracema com a mudança inesperada de seu amado... O nascimento de Moacir, filho da dor, e a morte de Iracema... Essa é praticamente a síntese da fábula do livro.
Foco narrativo: A obra é escrita em terceira pessoa.
O narrador que caracteriza as personagens apenas a partir do que pode observar de seus sentimentos e de seu comportamento, como se percebe no trecho: "O sentimento que ele (Martim) pôs nos olhos e no rosto não o sei eu. Porém a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba, e correu para o guerreiro, sentida da mágoa que causara." (Capítulo 2), especialmente no momento em que o narrador coloca em dúvida a reação emocional de Martim, flechado por Iracema. O narrador conta a história do ponto de vista de Iracema, isto é, do índio, privilegiando os seus sentimentos e não os de Martim, que representa o branco colonizador.
Elemento Químico (?): O vinho de Jurema é obtido a partir das cascas e raízes da árvore de jurema preta (Mimosa hostilis). Esta espécie rica em N,N-dimetiltriptamina (DMT, 13) pertence à família Leguminosae. A Jurema pode ser consumida através da ingestão da bebida ou do ato de fumar o cachimbo. A bebida é preparada pelos indígenas por maceração das raízes em água e o material do cachimbo com as raízes e folhas secas da espécie vegetal.
Em diversas obras literárias envolvendo personagens indígenas o uso de Jurema é descrito, como nas obra de José de Alencar.
"Guerreiro branco, Iracema é filha do Pajé e guarda o segredo da Jurema. O guerreiro que possuísse a virgem de Tupã morreria (p.109)".
"A virgem de Tupã guarda os sonhos da Jurema que são doces e saborosos! (p.141)".
Nesta obra, a virgem é detentora do segredo de Jurema, planta do saber secreto xamânico que é servida como libação onírica aos guerreiros tabajaras.
Ao se apaixonar pelo guerreiro português Martim, Iracema trai o segredo de Jurema entregando para um branco o "licor de Tupã" e a "flor de seu corpo". A índia foge para uma aldeia rival junto com seu amado durante uma cerimônia de Jurema em sua tribo, na qual seria responsável, com o pajé, seu pai, pela distribuição da bebida sagrada. Ao final de sua trajetória Iracema vê sua tribo dizimada pela tribo aliada dos portugueses, mas segue seu esposo e gera um mestiço em seu ventre.
O uso da Jurema sofreu muitas modificações e diminuiu gradativamente com o passar do tempo. Este ritual é exclusivamente brasileiro, especificamente pernambucano, sendo realizado pela comunidade indígena Atikum-Umã que vive na serra de Umã no interior do estado.
Enquanto na Europa as plantas alucinógenas foram usadas para práticas de feitiçaria e adivinhações, no Brasil o consumo de espécies alucinógenas usadas em rituais indígenas, deu origem ao desenvolvimento de diversos cultos e religiões. Pode-se observar que o consumo de plantas brasileiras levava as alucinações visuais e as solanáceas a alucinações sensitivas.

TRISTÃO e ISOLDA: Na Europa da Idade Média e do Renascimento, os cultos praticados por feiticeiras e mágicos estavam intimamente ligados ao consumo de beladona (Atropa belladona), meimendro (Hyosciamus niger) e mandrágora (Mandragora officinarum). Estes alcalóides inibem a ação da acetilcolina no organismo. Em doses altas promovem estimulação seguida de depressão. Em doses baixas diminuem a secreção salivar, brônquica e a sudorese. Os alcalóides tropânicos, dependendo da dose, levam às alucinações percebidas como realidade pelo sujeito, que pode conversar com pessoas ausentes e ver objetos ou animais que não existem.
Aos frutos dessa planta, também chamado de maçã do amor, creditava-se a fecundidade, daí a razão do título "A Mandrágora", uma famosa peça de teatro escrita pelo italiano Nicolau Maquiavel. A idéia de que a mandrágora tornava fecundas as mulheres estéreis se espalhou de tal forma, que os charlatães da Idade Média procuravam preparar qualquer coisa para uso das supersticiosas. Em torno deste tema gira a história da peça teatral de Maquiavel. Em outras obras, como na lenda romântica celta "Tristão e Isolda", o amor nasce após o consumo de uma poção preparada a partir destas três solanáceas.
A Mandrágora tornou-se famosa na magia e na bruxaria devido aos seus efeitos narcóticos e pela forma estranha de sua raiz, cujo aspecto ramificado e contorcido se assemelha ao corpo humano, fato que colaborou para seu consumo. De acordo com a Teoria da Assinatura dos Corpos de Paracelso, estas raízes fariam bem para alma e para a saúde do corpo, devido a sua forma antropomórfica.
A coleta da mandrágora era envolta de mistérios e crenças. Segundo a lenda, a mandrágora crescia perto dos patíbulos sobre a baba dos enforcados. Uma das crenças admitia que a planta emitia gritos quando era arrancada da terra, e era capaz de enlouquecer quem a arrancasse. Uma das maneiras de obtê-la era prender a raiz na coleira de um cão faminto e açoitar o animal. Este, ao tentar a fuga arrancava a raiz e caía morto.
Na obra "Romeu e Julieta" de Shakespeare a coleta da mandrágora também é descrita:
"... com cheiros repugnantes e guinchos como mandrágoras arrancadas da terra que mortais ouvindo-os, enlouquecem". Romeu e Julieta, Shakespeare

Para Tristão e Isolda, estes tomam a bebida do amor, mas não conhecerão a alegria sem a dor: a droga foi e sempre será um espelho de duas faces.
Há também de se comparar Tristão e Isolda e Iracema, que nestas duas produções literárias mantêm entre si uma relação de intertextualidade. A segunda traz consigo as marcas da cultura da cortesia amorosa da primeira.
As duas obras se estruturam a partir da dicotomia amor proibido & paixão + infelicidade & destino. Ambas constituem-se por meio dos requintes da idealização.

Nas duas narrativas o amor é concebido como agente de subversão, e a paixão é o entusiasmo da impossibilidade de o amor triunfar, é esta impossibilidade e exigência de administrar o amor que parecem dar vida a toda trama e fugacidade. Esta perspectiva ajuda-nos a penetrar no conteúdo da tópica literária do “amor cortês” para verificar como ela adentra em nosso movimento romântico, mais especificamente em Iracema, e de que forma Alencar se apropria dela para dar sentido próprio à sua obra indianista – obra que fascina por sua singularidade e pela carismática atuação da heroína no desdobramento da intriga amorosa. A morte não é platônica tal qual ocorre na lírica trovadoresca: morre-se “realmente” – fisicamente – um pelo outro em decorrência das peripécias diversas. Nas duas obras há a busca e o uso dos prazeres como elementos indispensáveis a concretizar o ato amoroso. Erotismo e sexualidade são as duas faces da mesma moeda, uma face está ligada indissoluvelmente à outra, por isso elas se completam; porém, restringindo a analogia para as relações entre um casal, cada face do jogo amoroso (revestido de maior ou menor carga do erotismo e da sexualidade) tem características peculiares. A sexualidade objetiva a reprodução, no entanto, esta reprodução não ocorre de modo aleatório: existem dispositivos de caráter político, econômico, jurídico e social que se empenham em controlá-la por meio de mecanismos reguladores.
O relacionamento amoroso preenche funções psicológicas importantes. Por meio dele, o eu e o outro passam a conhecer as incertezas e os problemas que atingem o sexo oposto; por conseguinte, começam a se conhecer melhor. Com o convívio, definem sua própria identidade, e logo, o relacionamento ardente entre os dois será plena liberdade redentora, cantará o amor e ambos se tornarão servos um do outro. Assim, em Iracema e em Tristão e Isolda, o amor nasce de uma ação involuntária que o livre arbítrio transforma em ação voluntária. Essa é uma condição necessária ao ato que transforma a servidão em liberdade.